Sobre música, cérebro e o efeito Mozart
Ninguém pode negar que a música tem um efeito sobre nosso estado de espírito, podendo nos deixar felizes, tristes, estimulados ou relaxados. A música também é utilizada com muito sucesso em terapias de reabilitação cerebral, como já discutido no artigo “Música faz bem para o cérebro”. Mas a ela também tem sido atribuído algumas habilidades controversas, como a de aumentar a inteligência, popularmente conhecida como efeito Mozart.
Para o cérebro, há uma grande diferença entre tocar e apenas ouvir música. Tanto que há estudos recentes verificando que o aprendizado musical tem um impacto no envelhecimento, retardando a perda de memória e a dificuldade de compreender a fala em ambientes barulhentos, reclamação comum entre os idosos.
Em 1993, uma pesquisa publicada na revista Nature ficou famosa por verificar que participantes expostos a uma música tiveram resultados significantemente superiores, porém transitórios, em testes padronizados de raciocínio abstrato/espacial do que participantes que foram instruídos a relaxar ou apenas ficar em silêncio. A música em questão era o primeiro movimento “alegro com spirito” da Sonata KV448 para dois pianos em D maior, de Mozart e, por isso, ficou conhecido como o efeito Mozart.
Apesar dos participantes serem todos estudantes universitários e dos testes não serem completos para uma avaliação geral da inteligência, muita gente interpretou o resultado como “toque Mozart para seu bebê e ele vai crescer inteligente”.
Muitos estudos semelhantes foram desenvolvidos, alguns comprovando os efeitos e outros os refutando. Quando há estudos suficientes sobre um assunto é possível combiná-los para avaliar o efeito global, uma técnica chamada de meta-análise. Então, em 2010, foi publicada a mais completa meta-análise sobre esse efeito, analisando praticamente 40 estudos publicados e não publicados, totalizando mais de 3.000 pessoas.
As conclusões a que esses cientistas chegaram foram que:
• Há um pequeno efeito sobre o desempenho em tarefas de raciocínio espacial nas pessoas expostas à sonata KV 448 de Mozart, mas também a qualquer outro estímulo musical, quando comparadas às que não receberam estímulos musicais.
• O efeito sobre as pessoas expostas a Mozart quando comparado a qualquer outra música é negligenciável.
Portanto, o efeito sobre a inteligência de se ouvir Mozart ou qualquer outra música é, na melhor hipótese, fraco.
Entretanto, pesquisas têm demonstrado que aprender a fazer música é muito mais importante para se obter efeitos positivos no longo prazo do que apenas ouvir música. O aprendizado musical efetivamente muda o cérebro, podendo aumentar a concentração, a memória de trabalho, coordenação motora fina, além de outras habilidades que podem ser transferidas para o cotidiano. E ainda é muito benéfico para amenizar alguns efeitos do envelhecimento.
O caminho que o estímulo auditivo percorre no cérebro para ser interpretado corretamente depende do sincronismo preciso entre os neurônios, muito importante para capturar as rápidas transições acústicas, como as que caracterizam a fala. Mas a precisão neuronal e o processamento temporal auditivo diminuem com a idade, contribuindo para os problemas de compreensão da fala, que muitos idosos relatam.
Pesquisadores analisaram essa capacidade de percepção auditiva em grupos de pessoas mais jovens (18 a 32 anos) e mais velhas (45 a 65 anos), tanto os que eram músicos e não músicos, e verificaram que os músicos mais velhos tiveram um desempenho muito melhor que seus pares não músicos, e semelhante ao de jovens não músicos.
O resultado sugere que o cérebro pode ser treinado a superar, em parte, algumas perdas auditivas relacionadas com a idade e que o treinamento musical pode melhorar a habilidade de se comunicar em ambientes acusticamente barulhentos e complexos. Em estudos anteriores, esse mesmo grupo de pesquisadores verificou que o aprendizado musical também afeta positivamente a memória.
O ponto é que não há atalhos para a inteligência. Benefícios de longo prazo requerem treinamento de longo prazo, seja através da educação formal, do aprendizado musical, ou mesmo do treinamento cerebral. Uma metodologia pode ajudar a se obter resultados de maneira mais rápida, como fazendo umtreinamento cerebral com o Cérebro Melhor, mas ainda assim requer esforço consciente e dedicado.